Encontrado no site do 2010, um artigo sobre investigação efectuado em São Tomé e Príncipe:
Vamos viajar até África, mais propriamente até São Tomé e Príncipe, onde um grupo de investigadores do IPATIMUP desenvolveu um estudo sobre o património genético da população. Através da recolha de ADN dos nativos são-tomenses, é agora possível escrever a história do povoamento desta ilha africana.
A história das origens da população de São Tomé tem várias versões. Sabe-se que se trataram de escravos trazidos pelos colonos portugueses, mas levanta-se algum véu de controvérsia quanto à naturalidade destes indivíduos.
Jorge Rocha, investigador no IPATIMUP, viajou até São Tomé no Verão de 2003 para contar a história de um povo através da sua genética.
Pretendia-se saber um pouco mais sobre os cruzamentos genéticos dos escravos com os portugueses, mas acima de tudo, o projecto visava perceber as migrações de escravos para esta ilha.
O estudo veio quebrar a ideia de que a população de São Tomé terá tido origens essencialmente angolanas. Como explica Jorge Rocha, “quanto às regiões de origem dos escravos na região de São Tomé, o que nós concluimos é que hoje ainda é possível ver as marcas das migrações de escravos capturados em regiões tão distintas como a região da Nigéria e daquilo a que se chama a Costa dos Escravos, que vai da zona da Nigéria, ao delta do rio Níger e a região do Gana, onde na altura desempenhava um lugar central no tráfego de escravos, o forte de São Jorge da Mina, construído pelos portugueses nos finais do séc. XV”.
Nos níveis de miscigenação, São Tomé não seguiu o exemplo de outras colónias africanas portuguesas. Jorge Rocha confirma a existência de genes europeus nos sãotomenses, mas ressalva tratarem-se de níveis relativamente baixos na ordem dos 10%.
A diversidade da ilha é grande, mas poderiam-se desenhar essencialmente dois grandes grupos populacionais: “o que nós verificamos é que existe um nível de variação excepcional dentro da pequena ilha de São Tomé. E que essa diferenciação está bem correlacionada com a diferença de um grupo linguístico de São Tomé, que se chama angolares.”
Tjerk Hagemeijer é um linguísta holandês que se tem dedicado ao estudo das línguas de São Tomé e Príncipe. As conclusões que tem tirado vão de encontro aos estudos feitos pela equipa de Jorge Rocha.
O linguísta transcreveu várias gravações dos quatro crioulos do arquipélago, analisou as estruturas, e consegue agora garantir ter havido uma língua nuclear comum: “Em São Tomé, do contacto entre os portugueses e os escravos terá surgido uma nova língua. Sobretudo no seio dos escravos terá surgido uma nova língua para se comunicarem com os europeus – os portugueses, neste caso. Começa aí a nascer um crioulo, que, provavelmente, nesta fase, é um pidgin. Um pindgin nem é uma língua, é uma forma de comunicar muito rudimentar. E é a partir desse pindgin que se forma o crioulo. Portanto, o crioulo é a nativização de um pindgin. Isto é o que terá acontecido no caso de São Tomé.”
Mas o angolar continua a ser um desafio, pois “estamos a ir de uma língua de um grupo completamente diferente, que se falava uma língua no reino do Benin, que ainda hoje se fala, que é o “edo”, do grupo “edoid”, que é família quase do “yoruba”, etc. É uma língua tipologicamente muito diferente das línguas “bantu”. As línguas “bantu” são as línguas que encontramos no Congo, em Angola. São grupos tipologicamente muito distintos”
Sabe-se que numa primeira fase, a chamada sociedade de habitação, os escravos trazidos para São Tomé teriam origens na zona do reino de Benin, na Nigéria. Vinte anos depois, com a platação da cana de açucar, dá-se uma mudança de área de resgate. Eram precisos homens robustos e os colonos decidem trazer escravos da zona do Congo e de Angola. Supostamente, seriam estes os locais de origem dos angolares, mas como já referimos, este grupo populacional apresenta também influências de outras zonas de África.
Várias histórias se levantam para explicar a origem dos angolares. Há quem fale do naufrágio de um barco negreiro, cuja tripulação escrava sobrevivente tivesse rumado até à costa. Outros acreditam que estes angolares se trataram de escravos que fugiram das roças e que criaram uma comunidade própria, vindo a espalhar-se mais tarde pelas zonas costeiras da ilha de São Tomé.
Apesar do carácter peculiar da língua dos angolares, Tjerk Hagemeijer explica que os quatro crioulos mantêm uma estrutura comum: “Todos os quatro crioulos têm estruturas que são comuns. Vou dar um exemplo: pássaro voou subiu – que quer dizer “o pássaro voou para cima”. São dois verbos que exprimem uma só acção: voar para cima”. Ou por exemplo, “tomar água, pôr na lata” - pôr a água na lata. Estas estruturas são chamadas estruturas de verbos seriais. Isto é uma componente nuclear de uma gramática. Os quatro crioulos têm esta estrutura e esta estrutura não existe em Bantu, mas é uma estrutura típica ao nível das línguas da Nigéria, Gana, Costa do Marfim, etc.”
Há um palco de partilhas linguísticas e genéticas entre os indivíduos que são e os que não são angolares. O que o grupo de Jorge Rocha não consegue explicar é o que originou toda esta diversidade sãotomense:“o que nós sabemos é que existe uma perda da diversidade e ao mesmo tempo uma partilha genética entre os angolares e os indivíduos que não são angolares. Agora, o que não sabemos é se essa partilha resulta de uma origem comum com posterior diferenciação, ou se de origem diferente com posterior miscigenação. Isso é um problema muito difícil!”
Ao todo, foram recolhidas amostras de ADN a 1400 pessoas – o que representa 1% do total da população de São Tomé. O processo de colheita é idêntico àquele utilizado nas técnicas forenses comuns. Faz-se uma rapagem do interior da cavidade bucal e coloca-se esse extracto em álcool, onde permanece até ser trabalhado no laboratório.
Jorge Rocha adianta ainda que em nenhum momento foi feita uma separação à priori dos indivíduos colectados quanto ao grupo populacional. Deste modo evitaria pré-conceitos na investigação. No entanto, à medida que obtinha os resultados de ADN, verificava que indivíduos de diferentes localidades se agrupavam, não obstante, nos tais dois grandes grupos populacionais: os angolares e os não-angolares.
Quase a completar três anos de investigação, o projecto encontra-se na meta final. No entanto, muito ainda haverá por estudar na terra que Jorge Rocha considera um laboratório fabuloso de diversidade genética.
Cíntia Taylor - 11/12/2005
Vamos viajar até África, mais propriamente até São Tomé e Príncipe, onde um grupo de investigadores do IPATIMUP desenvolveu um estudo sobre o património genético da população. Através da recolha de ADN dos nativos são-tomenses, é agora possível escrever a história do povoamento desta ilha africana.
A história das origens da população de São Tomé tem várias versões. Sabe-se que se trataram de escravos trazidos pelos colonos portugueses, mas levanta-se algum véu de controvérsia quanto à naturalidade destes indivíduos.
Jorge Rocha, investigador no IPATIMUP, viajou até São Tomé no Verão de 2003 para contar a história de um povo através da sua genética.
Pretendia-se saber um pouco mais sobre os cruzamentos genéticos dos escravos com os portugueses, mas acima de tudo, o projecto visava perceber as migrações de escravos para esta ilha.
O estudo veio quebrar a ideia de que a população de São Tomé terá tido origens essencialmente angolanas. Como explica Jorge Rocha, “quanto às regiões de origem dos escravos na região de São Tomé, o que nós concluimos é que hoje ainda é possível ver as marcas das migrações de escravos capturados em regiões tão distintas como a região da Nigéria e daquilo a que se chama a Costa dos Escravos, que vai da zona da Nigéria, ao delta do rio Níger e a região do Gana, onde na altura desempenhava um lugar central no tráfego de escravos, o forte de São Jorge da Mina, construído pelos portugueses nos finais do séc. XV”.
Nos níveis de miscigenação, São Tomé não seguiu o exemplo de outras colónias africanas portuguesas. Jorge Rocha confirma a existência de genes europeus nos sãotomenses, mas ressalva tratarem-se de níveis relativamente baixos na ordem dos 10%.
A diversidade da ilha é grande, mas poderiam-se desenhar essencialmente dois grandes grupos populacionais: “o que nós verificamos é que existe um nível de variação excepcional dentro da pequena ilha de São Tomé. E que essa diferenciação está bem correlacionada com a diferença de um grupo linguístico de São Tomé, que se chama angolares.”
Tjerk Hagemeijer é um linguísta holandês que se tem dedicado ao estudo das línguas de São Tomé e Príncipe. As conclusões que tem tirado vão de encontro aos estudos feitos pela equipa de Jorge Rocha.
O linguísta transcreveu várias gravações dos quatro crioulos do arquipélago, analisou as estruturas, e consegue agora garantir ter havido uma língua nuclear comum: “Em São Tomé, do contacto entre os portugueses e os escravos terá surgido uma nova língua. Sobretudo no seio dos escravos terá surgido uma nova língua para se comunicarem com os europeus – os portugueses, neste caso. Começa aí a nascer um crioulo, que, provavelmente, nesta fase, é um pidgin. Um pindgin nem é uma língua, é uma forma de comunicar muito rudimentar. E é a partir desse pindgin que se forma o crioulo. Portanto, o crioulo é a nativização de um pindgin. Isto é o que terá acontecido no caso de São Tomé.”
Mas o angolar continua a ser um desafio, pois “estamos a ir de uma língua de um grupo completamente diferente, que se falava uma língua no reino do Benin, que ainda hoje se fala, que é o “edo”, do grupo “edoid”, que é família quase do “yoruba”, etc. É uma língua tipologicamente muito diferente das línguas “bantu”. As línguas “bantu” são as línguas que encontramos no Congo, em Angola. São grupos tipologicamente muito distintos”
Sabe-se que numa primeira fase, a chamada sociedade de habitação, os escravos trazidos para São Tomé teriam origens na zona do reino de Benin, na Nigéria. Vinte anos depois, com a platação da cana de açucar, dá-se uma mudança de área de resgate. Eram precisos homens robustos e os colonos decidem trazer escravos da zona do Congo e de Angola. Supostamente, seriam estes os locais de origem dos angolares, mas como já referimos, este grupo populacional apresenta também influências de outras zonas de África.
Várias histórias se levantam para explicar a origem dos angolares. Há quem fale do naufrágio de um barco negreiro, cuja tripulação escrava sobrevivente tivesse rumado até à costa. Outros acreditam que estes angolares se trataram de escravos que fugiram das roças e que criaram uma comunidade própria, vindo a espalhar-se mais tarde pelas zonas costeiras da ilha de São Tomé.
Apesar do carácter peculiar da língua dos angolares, Tjerk Hagemeijer explica que os quatro crioulos mantêm uma estrutura comum: “Todos os quatro crioulos têm estruturas que são comuns. Vou dar um exemplo: pássaro voou subiu – que quer dizer “o pássaro voou para cima”. São dois verbos que exprimem uma só acção: voar para cima”. Ou por exemplo, “tomar água, pôr na lata” - pôr a água na lata. Estas estruturas são chamadas estruturas de verbos seriais. Isto é uma componente nuclear de uma gramática. Os quatro crioulos têm esta estrutura e esta estrutura não existe em Bantu, mas é uma estrutura típica ao nível das línguas da Nigéria, Gana, Costa do Marfim, etc.”
Há um palco de partilhas linguísticas e genéticas entre os indivíduos que são e os que não são angolares. O que o grupo de Jorge Rocha não consegue explicar é o que originou toda esta diversidade sãotomense:“o que nós sabemos é que existe uma perda da diversidade e ao mesmo tempo uma partilha genética entre os angolares e os indivíduos que não são angolares. Agora, o que não sabemos é se essa partilha resulta de uma origem comum com posterior diferenciação, ou se de origem diferente com posterior miscigenação. Isso é um problema muito difícil!”
Ao todo, foram recolhidas amostras de ADN a 1400 pessoas – o que representa 1% do total da população de São Tomé. O processo de colheita é idêntico àquele utilizado nas técnicas forenses comuns. Faz-se uma rapagem do interior da cavidade bucal e coloca-se esse extracto em álcool, onde permanece até ser trabalhado no laboratório.
Jorge Rocha adianta ainda que em nenhum momento foi feita uma separação à priori dos indivíduos colectados quanto ao grupo populacional. Deste modo evitaria pré-conceitos na investigação. No entanto, à medida que obtinha os resultados de ADN, verificava que indivíduos de diferentes localidades se agrupavam, não obstante, nos tais dois grandes grupos populacionais: os angolares e os não-angolares.
Quase a completar três anos de investigação, o projecto encontra-se na meta final. No entanto, muito ainda haverá por estudar na terra que Jorge Rocha considera um laboratório fabuloso de diversidade genética.
Cíntia Taylor - 11/12/2005
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